quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

VALE A PENA VIVER - por Lair Orzil (escrito em 1962)

Os homens foram feitos para apreciar o que é belo e desfrutar o que é útil da vida. Em consequência, porém, de grandes sofrimentos que a vida nos reserva quase diariamente, balbuciamos muitas vezes esta pergunta: VALE A PENA VIVER?

Dizem que cada época tem suas peculiaridades; a cada época corresponde uma mentalidade que faz distinguir os seres humanos. O que predomina em nossos dias é a irresponsabilidade e a inveja, fazendo decorrer destas mentalidades perigosas, fatos desagradáveis que constituem o cotidiano de todos nós.

O irresponsável desvia-se do seu roteiro, entra a sua consciência em conflito com Deus e consigo mesmo e destes tremendos problemas que jamais solucionarão, virá a lançar na grande via que se abre à sua frente: a irresponsabilidade. Sob a égide desta mentalidade há a corrupção dos sentimentos alheios e uma série interminável de consequências capazes de desequilibrar e aniquilar uma vida.

O invejoso traz corrompido o seu espírito, no seu coração somente a amargura sem um tênue fio de doçura, envenenando tudo o que toca, lançando num relancear de olhos, num pérfido sorriso, num simples gesto e numa única palavra o seu veneno, desgraçando vidas e semeando sofrimentos.

A criatura invejosa usa insinuações e reticências, armas malévolas, quando vê alguém desfrutar da felicidade; galgar posição de maior relevo e possuir maior afeição das pessoas que a rodeia.

De que serve tudo isto? Porventura não acabarão um dia a sua vida terrena, todas as ambições, invejas e gozos terrestres?

Somente a felicidade celeste é eterna. Por isto, devemos durante o nosso curto espaço de vida semear a bondade, flor odorífica que só brota nos corações puros, numa atmosfera de paz, para que ela nos conduza ao porto esperançoso da felicidade.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A SOLIDÃO DO CAMINHO - por Kenny Rosa

Tinha um galo no meu caminho
A partir de então, éramos os dois sozinhos
Surgiu a fome a nos beirar
Estamos então em três a caminhar

Em cada passo um elo de sorte
Cada um sendo do outro suporte
Somos agora um quarteto
A morte veio cantar seu soneto

Como num piscar de luz forte
Desfiz o galo com a morte
Foi-se embora a fome
Segui sozinho e insone

Lembro-me daquele turbilhão
Um eufemismo de solidão
Hoje envolto a espinhos
Fiquei sozinho, sem caminho

sábado, 11 de dezembro de 2010

A PROCURA DE PALAVRAS PARA ESCREVER - por Kenny Rosa

Enquanto procuro algo para escrever nos recônditos do pensamento, caminho pela capital de Minas. Nesta época banhada pelo sol escaldante do verão. Hora do almoço. Andando vagarosamente sem nem perceber as pessoas que passam apressadas, vou divagando sonhos e devaneios. São tantas ideias que surgem para tanta coisa ao mesmo tempo, que seria preciso uma equipe centúria para por em prática. Falta papel e lápis para registrar as futuras crônicas que se misturam num cabedal de vontade de escrever. Talvez seja coisa de maluco, mas presumo que quando estiver ao alcance dos recursos que preciso para o intento... “Cadê” as ideias?

Observo da calçada algo que me desperta o interesse. Sempre há. Como a mente não se decide no que ater, algo lhe rouba a atenção e a oportunidade. Mas não é nada desagradável. Um restaurante alemão em um bairro afortunado daqui. Não falo só de dinheiro. Refiro-me a beleza das pessoas, da arquitetura, riqueza de oportunidades, de tudo.

Percebo uma fachada em estilo enxaimel ou fachwerk (adoro a língua alemã), interior bem caracterizado e aconchegante. Ao adentrar percebo que se trata de uma confeitaria, mas também servem almoços. Dentro, uma música tranquila. Passo pela entrada principal onde temos expostos pães e outras delícias alemãs. O cheiro é maravilhoso. Ao lado do caixa, a minha esquerda, uma portinha. Após o umbral, seguido de pequeno degrau, paro e deparo com um ambiente que me leva direto ao país de origem daquela inspiração temática. Apenas cinco mesinhas com forro típico e duas cadeiras cada. Uma poltrona ao longo da parede frontal a mim, onde um pilar com acabamento de madeira separa duas grandes janelas cobertas da metade para cima por cortinas onduladas, rendadas e brancas. Onde sua alvura contrasta elegantemente com os tons outonais do pequeno recinto. Além das janelas pode-se ver um muro a apenas um metro de distância que suporta grades recheadas de trepadeiras. À esquerda um vidro que me permite observar o movimento lá fora. A direita um balcão de bar bem simples e agradável para onde me dirijo.

Assento-me. Faço meu pedido com prazer, como se estivesse em um típico restaurante alemão em Aachen, onde nunca fui (ainda).

- Einen wunderschönen guten tag! Ich möchte einen salat, weibwurt unt ein weibbier, bitte.

- Moment, bitte. – respondeu a garçonete.

Claro, amigo leitor, que eu não perderia a oportunidade de exercitar, ou talvez gastar, o pouco que conheço do prazeroso idioma alemão. Entschuldigung, aber ich bin sehr neugierig. Das Weibt Du doch!

Enquanto aguardo o pedido, venho tentando lembrar os sentimentos que pairavam na minha mente. Agora tenho oportunidade de deitar as palavras que me circundavam. Como eu previa, sumiram todas. “Cadê?”

Assuntos temáticos, de época, animais de estimação ou em extinção, crianças, neste último quesito tenho material de sobra em casa. Penso em política. Não! Não é meu gênero. Minha pena é mais intrapessoal ou cômica. De repente a imagem de palhaços que rendem boas crônicas tristes. O amor? O riso? A violência no Rio de Janeiro, com a polícia invadindo o Morro do Alemão? Nada. Nem um fio de ideia.

E por falar em Alemão... Eis o meu pedido. Cheiroso e saboroso. Hmmmm. O paladar agradece e o coração degusta por momentos, de um país rico de histórias diversas em situações contraditórias.

Na, dann! Hören Sie mal! Já é hora de voltar. Não vou pedir die rechnung, melhor pedir a conta mesmo. Nunca entendo os números em alemão. Enquanto dizemos trinta e um eles dizem um e trinta. São muito interessantes as diferenças culturais embutidas nas línguas. Está aí um bom material para escrever. Mas agora tenho de ir.

Saí do local e dei de cara com uma realidade brasileira. Não foi ruim, pois adoro minha cidade. O fato é que havia me esquecido que estava no Brasil. Fiz uma viagem em segundos até a Europa, proporcionado por algumas centenas de metros quadrados aqui mesmo. Este lugar representou bem o papel de um bom livro.

O pior é que não consegui pensar em nada para escrever até agora. Acho melhor esperar um momento de inspiração e criatividade. Como foi meu dia? Bem, Obrigado! Pena que o meu dia hoje tenha passado em branco. Na realidade não posso reclamar, o meu dia foi mesmo é preto, vermelho e amarelo. Vielen danke!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

NÃO VOU ME ADAPTAR! – por Su Lucena

Publicado no Recanto das Letras em 25/11/2010
Código do texto: T2636279


Entrava como um vento pelo portão. Vinha deixando as sandálias pelo meio do caminho, porque ai de mim que sujasse a casa com toda aquela poeira que trazia das minhas mulecagens na rua. Tenho dó da orelha que teimava em continuar calçada dentro de casa! E assim era, cada um ia chegando, e organizando sua “amiga” ali onde cabia, bem na porta. E de lá eu já sabia quem estava dentro – essa é da mamãe, essa é da Gabi e essa?

Crescemos com os pés livres. Podíamos andar de rolimã e correr atrás de papagaio sentindo o cascalho grosso, só a mamãe que não gostava muito. Sandália era para fazer as traves do futebol, ou dividir o campo para o rouba-bandeira. As cores e formas nem importavam tanto, mas sempre era engraçado usá-las como luvas de goleiro.

Já crescidos, era educado descalçar os pés para entrar na casa das tias, e mesmo que ela insistisse para não o fazer, você sabia o que tinha que ser feito! Azar o seu se tivesse de tênis, ia ter que sentar na porta para resolver o problema, e se suas meias não estivessem branquinhas, então?

Hoje, ainda temos este costume de pés livres – não mais tão livres, já temos que permanecer calçados para ir ao supermercado e para ir à casa da vizinha pedir açúcar, mas dentro de casa! É onde nossa base física se solta, e respira o arzinho poeirento da nossa cidade quente. Mas você acredita que hoje me disseram que tudo isso é errado? Que o certo é entrar calçado e assim permanecer. Ah, não quero. Obrigada. E você?

Publicado no Recanto das Letras em 25/11/2010
Código do texto: T2636279

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

"TÔ QUI, TÔ LÁ" - FILOSOFIA JOVEM - por Kenny Rosa

            Fim de ano. Férias se aproximando. Todos nós do 1º ano do 2º grau, antigo colegial (fico imaginando quais serão as denominações futuras e qual o objetivo de mudá-las), estamos cansados dos estudos. Uma dedicação ao mesmo tempo necessária, desgastante e prazerosa. Sensações antagônicas.

            Estávamos em número reduzido a conversar descontraidamente na saído do colégio, ansiosos com os planos de viagens e expectativas diversas quanto aos dias que viriam e as tensas provas que ainda não findaram. Novas antíteses perpassavam o jovial íntimo de cada um sinestesicamente. Coisas de jovens. Certamente um dia não nos entenderemos. Hoje não nos entendemos por não preocuparmos com isto, imagino. Nada de filosofias. Ou quase nada...

            O Emerson, totalmente extrovertido, de repente, quando menos se espera, após breve pausa, em meio a fins de risos, fala ao ver um senhor com semblante oprimido, cabisbaixo, passando próximo a nós.

            - Muito engraçado isto. Pensar que eu “tô” aqui vivendo a minha vida e aquele senhor passa vivendo a dele.

            Foram segundos de silêncio total. Nem a nossa respiração se ouvia enquanto nos olhávamos espantados. E veio então a inevitável explosão de gargalhadas uníssonas.

            - O quê? – Pergunta ele, como se tivesse dito a coisa mais natural do mundo.

            Não que não fosse natural e bem vinda uma reflexão profunda destas, ainda mais quando o senhor que havia acabado de passar, levava consigo muita expressão no rosto. Sensibilizaria qualquer pessoa. Mas o Emerson? Ah! Não. Este momento ímpar merecia ser regado a uma salva de gargalhadas joviais, assim como foi.

            “Tô qui, tô lá”. Foi como começamos a chamar a teoria filosófica que surgiu de forma irreverente.

            Com faces ainda mais rubras que a costumeira bochecha rosada, tentava se explicar a meios sorrisos.

            - Mas é sério. Imagina só. Ele “tá” lá, vivendo a vida dele. Com os problemas dele.

            Mais gargalhadas. Seria melhor calar-se caso não quisesse nos matar de tanto rir. Foi o que fez.

            -Ah! Vocês não estão entendendo.

            O certo é que mesmo com a mais profunda compreensão, não poderíamos perder a oportunidade que tínhamos nas mãos. Era a nossa vez. Normalmente era ele quem começava as gozações.

            Após desopilados os fígados, nos despedimos todos com os olhos marejados e espasmos restantes de risos. Cada um para o seu canto.

            - Ai...ai... – Suspirei.

            Enveredando pelo meu velho caminho até o ponto de ônibus, fui observando inevitavelmente os transeuntes que passavam. Cada um com um semblante, cada olhar com um pensamento. Voltei a memória para o episódio cômico que acabara de vivenciar e coloquei-me a refletir.

            - O que será que está pensando agora, cada um da turma? E o tal senhor? Quais paisagens urbanas lhes preenchiam os olhos neste momento?

            Repentinamente percebi que eu “tô” aqui e eles lá. Cada um na sua vida, no seu caminho.

            - É! O Emerson tinha razão. Engraçado isto.

sábado, 4 de dezembro de 2010

O BEIJA-FLOR - por Kenny Rosa

            Nada como uma boa reforma. Remexer o passado, mudar mobílias de lugar, comprar quadros novos, trocar o guarda roupa, uma nova pintura nas paredes. Ah!... Novos ares em nosso ambiente. Cabe aqui uma feliz analogia com o estado íntimo de nós mesmos. Acordar bem cedo e pensar diferente, agir diferente, nova alimentação para o organismo e para o psiquismo. Revirar o fundo das gavetas da alma. É sempre bem vinda uma mudança.

            Desta vez foi o lado de fora da casa. Onde havia uma varanda enorme, que abrigou o quintal do sol e da chuva, existe agora espaço aberto para novo brilho. Nada de ser ingrato com o remanescente abrigo, mas a clareza da manhã está combinando mais com a nova varandinha na saída da cozinha.

             Virou o cantinho predileto da casa. Pela manhã o sol ilumina e enfeita lá fora. Uma luz pareada com a mesa do desjejum, que obviamente foi onde passou a ser degustado, em se tratando da minha linda família, devorado. O almoço e o lanche da tarde não poderiam ganhar melhor aconchego.

            E quando chove... Ah! Quando chove! Não há nada melhor que saborear o café forte de aroma encorpado feito naquele momento. Tudo mágico. Dali avistamos uma várzea onde pasta o gado do vizinho a beira de um córrego. Entre a várzea e o muro do quintal, um exuberante flamboyant. Imponente via de acesso dos amiguinhos miquinhos que vem às tardes desfrutar de sua fruta preferida. Comem pedaços de bananas em nossas mãos.

            O por do sol, meus amigos, é digno de compor um cartão postal. Principalmente no inverno quando o sol nos agracia depois da várzea, de frente para a varanda, onde em meio a lilases, nos dá um “até amanhã”.

            Hmmm... Falta algo! Apesar do cantar audível dos plumados amigos, não os vemos de perto. Só muito de passagem ao longe, em bandos como as maritacas ou um tucano sozinho.

            E onde o mais ativo dos pássaros? Onde o beija-flor? Aquele de penugem brilhante que nos dá a impressão de tão sedosa roupagem. Elegante no bater de asas, como o caminhar de uma bailarina. Bico? Não, boca. A transformar o perfume inconfundível da flor em néctar digno de deuses. Sua condição é impar, o único pássaro capaz de voar de ré e de permanecer imóvel no ar. Tem ótima visão. Além de conseguir identificar cores são dos poucos vertebrados capazes de detectá-las no espectro ultravioleta. Seriam ótimos para me aconselhar na próxima reforma da casa. Das 322 espécies de traquilídeos não vem nenhum na minha varanda nova.

            Falta-me o seu frenético bater de asas. Como atraí-lo? Arrumei um daqueles bebedouros que ficam pendurados com pétalas fictícias e coloridas, a chamar-lhes a atenção como grandes olhos. Dentro, uma solução açucarada para acarinhar seu paladar. Aguardei alguns dias e lá estava ele. Lindo! Único! Percebi que não havia somente 322 espécies, tinha também aquele amigo que veio até mim e era inigualável.

            Pena que fluía tão rápida a sua presença. Dava o ar da graça e volatilmente, assim como pairava, ia. Eu o aguardava todos os dias, mas o tempo é dele. Não há como tê-lo, não podemos prendê-lo. Por mais que o desejamos por perto.

            Ouvi falar uma vez que se o beija-flor para de bater suas asas, morre. Não duvido. Quem de nós, se parar de beijar uma flor, permanece com o coração entoando a beleza da vida? Se ao tê-lo, hei de perdê-lo, prefiro a sua amizade nos momentos que lhe aprouver vir me visitar.

            Agora estou sentado na varanda, sentindo a brisa quente do fim de ano. O lindo por do sol costumeiro regado ao bom e forte cafezinho mineiro, acompanhado de um bolo de fubá com queijo. Aguardo ansioso a vinda repentina do meu amigo amado a me beijar a flor do dia.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

AGORA - Por Kenny Rosa

O tempo passa
O tempo todo
O tempo tenta
Em tempo ter
Um tempo à toa

O tempo para
O tempo tara
Um tempo atado
Em tempo passado
Nunca alado

Agora