quarta-feira, 30 de março de 2011

REUNIÃO DE FAMÍLIA - por Cronicando

            Penso que os tempos estão ruins não pelo que acontece, mas pela falta de expressar os acontecimentos. Portanto, mesmo após algum tempo sem vir ao papel, por fatores que não sei traduzir ainda para a língua portuguesa, eis-me novamente deslizando o grafite nesta folha reciclada da minha gaiola de prender ideias.

            Vou contar-lhes do último fim de semana, quando estive na casa dos meus pais para um almoço de comemoração de aniversário da minha querida genitora. Quase todos estavam lá. Uns chegam cedo, outros vão por pouco tempo, tem os que demoram mais e tem também muita criança. Tudo igual a toda família.

            Bom... Cheguei perto de um grupo que se reunia bem animado. O Fábio, o Samuel, o João Pedro irmão do Samuel, o Joãozinho e o irmão do Joãozinho, o Miguel. Levavam um papo animado nas mentes que juntas somavam no máximo vinte e um anos de experiência de vida. Cada um comentando algo acerca de sua especialidade. Demonstravam nos seus apontamentos conhecimento profundo dos diversos assuntos ali discorridos.

            O João Pedro arrolava fluentemente as características de todos os super heróis e ele conhecia cada um detalhadamente. Isto eu pude perceber dentre as palavras que compreendi. Algumas eu demorava mais para entender como a característica da namorada, segundo ele, do Homem Elástico.

            - Ela é “insivível”.

            “Insivível” não se trata apenas de troca de sílabas, porque ele repetiu a palavra pelo menos umas três vezes. E era “sivível”, ou melhor, visível meu esforço para compreender.

            Algum deles disse algo sobre “delista”. Não fosse o auxílio da mãe eu não saberia que se tratava da palavra delícia.

            O Joãozinho ao contemplar um LP do Dire Straits onde se via uma guitarra estampada na capa, logo disse, vendo a imagem do objeto de sua adoração:

            - Eu “quelo” o “dículo” da “guitala”.

            Dículo? Meu Deus... Amigo leitor, se eu não tivesse acompanhado com os olhos o disco apontado pelo seu pequeno dedo, não saberia até agora do que se tratava. E juro que se o dedo estivesse em riste um pouco voltado para o meu lado, eu iria pensar que eu era um ridículo na opinião dele. Fiquei mais tranquilo com a mensagem que meus olhos enviavam ao cérebro. Confesso que minha massa encefálica já estava bastante confusa a esta altura.

            Para refrescar o meu raciocínio comecei a conversar com a mãe dele. Ela me contou um episódio ocorrido há quase um ano atrás.

            Lá onde ele mora tem uma escola de samba chamada Icaraí ou algo assim. Após o período de intensa animação no carnaval (volto a lembra que foi no ano passado) vem o período de quaresma e por fim a semana santa. Em plena festa religiosa acontece algo inusitado. Enquanto passavam os fiéis em fila dupla, uma de cada lado da rua, em procissão, compenetrados nas suas introspecções e preces, olhos baixos. Passava pelo meio a passos lentos, uma banda entoando uma marcha fúnebre, convidando a atenção de todos para a fé e a reflexão.

            O Joãozinho no colo da mãe vendo tudo. Seus olhinhos brilhavam entre um ”bum” e outro. Após uma pausa demorada da banda, ele levanta os braçinhos e não pensa duas vezes antes de disparar a plenos pulmões:

            - Olha o “Icalaí” aí geeeeeeeeente!

            Imaginem só.

Voltando para o grupinho, o único que não dizia nada era o Miguel. Na verdade porque ele ainda não sabe falar, mas se aprender com os primos e o irmão, não sei não... Qual a especialidade dele? Babar. Nunca vi ninguém babar tanto. Eu até alertei a mãe que recebeu sorrindo o conselho.

- Marina, cuidado senão este menino vai desidratar.

É, meus amigos. Com o tempo crescemos e nos especializamos em quê?

sábado, 26 de março de 2011

EU QUERIA VALER A PENA - Por Cronicando

Finda o verão. Pelo menos oficialmente, pois o calor continua nos impressionando. Só pela manhazinha encontramos um pequeno alívio.

Temos renovada também a mostra de arte na galeria da COPASA. O artista André Hauck expõe “Arquitetura em declínio”, onde apresenta através de sua objetiva a impressão que cômodos abandonados em ruínas podem nos causar.

Ao observar, sentimos como se as imagens sussurrassem por falta de forças para bradar.

- Eu gostaria de ser um lugar pelo qual valesse a pena lutar.

Cada local tem sua história enraigada nos tijolos expostos, portas cravadas de balas, paredes queimadas, janelas e portas ocas por falta de vida ou esperança. Tetos desabados, vidros quebrados, cadeira solitária sem futuro, garrafas opacas, rastro de vida. Quando a luz é mais intensa serve apenas parar realçar a dor da saudade que as imagens sentem dos que por ali passaram. Podemos imaginar as lembranças de cada tela após ouvirmos novamente.

- Eu gostaria de ser um lugar pelo qual valesse a pena lutar.

Imaginamos as primeiras pessoas a levantar os locais. Os primeiros habitantes. A alegria das crianças. Uns se vão e sedem lugar a outros que chegam. Nova vida, nova experiência, esperança renovada. Até que as fotos voltam a atenção para o momento atual e percebem que tudo morreu ali. A única expressão de vida é vista no esforço de pouca vegetação sem valor em se fazer presente. 

Os que aqui viveram, se vivem, vivem em outro lugar. Nos braços de outras paredes. Se sentem saudades, não voltaram. Se mantem sonhos para um futuro que inclua este lugar, não tentaram realizá-los. Perguntamos... Por quê? Talvez tenham razão, são locais que não valem a pena. Pelo menos aqueles locais viraram arte e embelezam e dão vida às emoções.

E se André Hauck resolvesse fotografar pessoas por onde anda? Retratar os rostos, os olhares, as expressões que falam por si só. Talvez veríamos a criatura em declínio. Ou talvez não.

E se eu me olhar no espelho agora? O que veria? Ruínas? História morta? Será que eu veria aqueles que por aqui passaram? Os que me amaram? Os que amei? Os endereços que mudaram tantas vezes. Os telefones que já não existem mais. 

Só tenho no momento uma frase em mente.

- Eu gostaria de ser alguém por quem valesse a pena lutar. Custe o que custar.