terça-feira, 21 de junho de 2011

A ESTATUETA DO MONTE SINAI - por Cronicando

            Serei breve ao relatar o que agora vos conto pelo simples fato de estar no meio do meu horário de trabalho. Infelizmente a literatura que amo não é meu ganha-pão e nem meu talento. Mas não seria justo se não contasse agora mesmo o que ocorreu na copa, no horário do café da tarde.

            Encontrávamos em meio a um elevado assunto em que tratávamos das coisas espirituais. Falávamos de filosofia de vida e discorríamos sobre a bíblia. Fizemos um leve caminhar ao lado de Moisés pelo deserto por entre o inflamado povo recém liberto da escravidão egípcia.

            Quando estávamos divagando sobre o momento em que o povo aguardava aos pés do Monte Sinai, eis que uma queridíssima amiga diz:

            - Foi quando ele foi buscar a estatueta?

            - ?

            Como assim, amigo leitor? Estatueta? Nem existia cinema naquela época para ter premiação. E a terra árida estava longe de ser um tapete vermelho. Resultado: Risos. Os mais diversos.

            - And the Oscar goes to... – Sita um.

            - Moisésssss. – Completa outro.

            - Pela direção “Na Travessia do Deserto”. – Risos

            - Ou seria por: “Em busca da terra prometida”?

            Os antigos diziam: “muito riso, pouco siso”. Entendo que o pouco siso se referia a pouca experiência de vida o que reflete em pouco juízo. Em se tratando da feição da minha amiga, que nem ouso citar aqui o nome, o pouco siso significa que ela quebraria os dentes de todos e não demoraria muito.

            Bom... Por isto, também, não vou demorar mais neste papel. Espero a compreensão de vocês.

            Só um detalhe. Ela queria dizer tabuleta. Nada mais, nada menos que a tábua dos dez mandamentos.

            Estatueta? Como assim?

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CAFÉ COM LETRAS - por Cronicando

Passam os dias, passam os anos. Os séculos se amontoam na história da humanidade. Temos a cada passo o advento de novas tecnologias, novas crenças. Inventamos novas culturas e recriamos o cenário onde se desenrola todas as façanhas da raça humana na terra. Século XXI e ainda vemos de tudo um pouco, da mais surreal novidade até o mais pitoresco a ponto de nem sabermos que um dia foi uma realidade comum.

Gosto de lembrar que o café faz parte da cultura mineira de uma forma muito intensa. À volta de um bom cafezinho já se tomaram boas decisões, foram criadas boas histórias, verbalizados “causos”, bons risos, assuntos tristes e muitas coisas que demoraríamos linhas e linhas para listar todas.

Mais uma vez um fim de semana na casa da tia-avó de minha esposa. Casa rústica de fazenda com cozinha sem forro e fogão a lenha. Alguns da família ao redor da mesa em boa conversa diante da nova garrafa de café. A última quebrou durante a semana e foi preciso arrumar uma logo, pois um bom mineiro sem um cafezinho não providencia uma boa prosa.

A dona Marlene ficou incumbida de lavar com a água fervida antes de passar o primeiro café. Quando o café foi servido ele apresentava um sabor marcante e um corpo cremoso.

Não, amigo leitor. A dona Marlene não é nenhuma barista. O sabor estava estranho e o café engomado mesmo. Enquanto todos experimentavam e cada “entendedor” dava sua opinião, dona Marlene resolveu investigar dentro da novíssima e linda garrafa térmica amarela.

- Uai! Tem um jornal aqui dentro. – Exclama com o sotaque arrastado.

O jornal que sustentava o interior para não quebrar no transporte não foi retirado.

Isto nos leva a pensar que o mineiro é na realidade além de um bom “cafezeiro” um letrado. Intelectual até. Café traz cultura. Aqui hoje, bebemos café com letras literalmente. Engolimos as informações do jornal de maior veiculação da cidade em um ambiente carregado de história. Eu diria até que o mineiro chega a ser erudito.

Estão servidos? A garrafa já foi devidamente lavada. As letras agora serão conduzidas pela verbalização dos “causos”. Garanto.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

FLACIDEZ - por Marcelo Braga

Plubicado no Recando das Letras em 17/05/2011
Faço foto fico fúlgido
Fito fosco foco fino
Faço fato fito feto
Foice frente faço força
Firo fronte farpa fina
Feito face fico fosco
Frasco feio frágil
Fino fico frente foco

quarta-feira, 1 de junho de 2011

FILOSOFIA PSICODÉLICA DA LETRA - por Cronicando

                Hoje estava um dia ordinário. Tudo normal. Parei para pensar como sempre, claro.
                Pensar. Pesar.
                Tudo muda por causa de uma letra. A letra “n” de “não”, de “nada”. “n” é negação. Aqui apresentado no singular e entre aspas por ser um símbolo que representa uma ideia e não somente uma letra. Se pesar não tem “n”, ele é positivo?
                “n” é um “u” de cabeça para baixo.  Se “n” é negação, o “u” é o oposto? “u” de “universo” que se opõe a “nada”. “u” de “unidade”, um absoluto tão certo que se contrapõe ao “não”. Se pensar e pesar se opõem, porque sempre pesa meu pensar? Talvez porque falta a letra “u” de “união”, de “uníssono”. “Peusar”. Não existe esta palavra na língua portuguesa segundo Aurélio e Houaiss. Imagino que seria algo como pensar positivo.
                Afff... Onde vou com meus pensamentos?
                Parei...
                Parei. Pari.
                Tudo uma questão de letra. A letra “e” de “estancar”, de “estático”. “pari” é a conjugação do verbo na primeira pessoa em ação na geração de uma segunda pessoa. É a ação, movimento. “parei”, que também está na primeiríssima pessoa, se opõe a “pari”.  Estática versus movimento. Estagnação versus força criadora.
                O “e” é pequeno perto do “l”, ambos, quando cursivos, parecem pai e filho. O curioso é que para um bom pensar carece-se de parar muitas vezes. Estas duas palavras se apoiam? Talvez a palavra que a pouco cogitamos uma invenção, “peusar”, deveria ser escrito com “l”. “pelsar”, algo como pensar positivo em movimento. Seria um viver otimista.
                René Descartes disse uma vez para sempre: “Penso, logo existo”.
                Afff... Eu novamente devaneando.
                E por falar em devaneio, uma amiga minha, a escritora Mariana Collares que escreveu “Devaneios Literários”, disse para mim em uma oportunidade: “Penso, logo insisto”. Por mim fico com o: Penso, logo desisto. Ah! Mas é rapidinho que eu desisto. Vou desistir agora e tomar um café que é positivo e estimulante.
                Engraçado.  Mesmo estimulante “café” se escreve com “e” e não com “l”. Pelo menos não tem “n”.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

SEREIA DOS SONHOS - por Leonard M. Capibaribe


Entre tantos outros sons, o seu consegue ser o mais atroador, devastando minha audição e me fazendo perder o equilíbrio. Desejo mais do que isso e é esse querer que me desconcentra, perco as pernas que me sustentam só de lembrar. Sereia dos meus pensamentos, metade mulher, metade sonhos, completa de todo imaginar. Cânticos mudos, rimados de ventanias, sorrisos e perfumes, risos de alegria. Sibilando sobre o mar onírico do descanso tardio, deixa carícias que causam ondas e nelas me deixo levar entregue a correnteza. Solto as amarras e a deriva, flutuo em pensamentos irreais e vontades tentadoras. Não existem espaços não marcados por sons que de tão presentes, ecoam na mente, cantarolando noites não dormidas e promessas não cumpridas. Quando chego no final desse litoral utópico, encontro ali seu rosto, sorrindo como um paraíso crescente. Esqueço tudo ao meu redor e me concentro apenas no vermelho dos seus lábios e o chamado do seu olhar. Canções inaudíveis me atraem de encontro as rochas, desavisado dos perigos da costa, viro náufrago nessa ilha. Vivo então dos encantos, canções da mulher inatingível, pois sempre que me aproximo mais distante ela esta, mas dos meus sonhos nunca sairá.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

SOLVENTE - por Cronicando

em 24/05/2011


          Eu vi o suco de uma tulipa amarela sendo utilizado para formar um pigmento, que bordou a palavra “amor” em pergaminho sutil. O tempo tictaqueou e o papel resistiu amarelado. O debruçar das letras era hercúleo.
          Eu vi as estações passando e nada mudou. As intempéries não conseguiram maltratar o que foi plantado.
          Eu vi uma lágrima desfalecer no pergaminho sobre o nobre sentimento e embrenhou-se com ele pelas fibras da celulose. Não via mais a palavra. Só o corpo se enrugar de dor.
          Agora resta esperar o tempo secar a mancha e ver se a pele deformada comporta nova palavra. Não vejo outra saída.
          Quem sabe neste papel não vejo o desenho de uma tulipa amarela? Quem sabe uma letra vã? Ou uma ideia sã?
          Olho o horizonte. Vejo ou não vejo a primavera chegando? Que ela venha depressa.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

UMA "ESCRIVAGUI" - por Cronicando

            Volto a esta página no meio do dia e antes que o inverno chegue. Alguma frente fria se aproximou e o clima está delicioso. Mudança climática significa mudança em diversos campos do nosso dia-a-dia que afeta até o humor.

            Na minha casa humor sempre muda para melhor, pois com as crianças que tenho, tudo é muito divertido. Principalmente quando diz respeito ao Gui, que com a ansiedade dos seus dez anos, volta e meia nos presenteia com boas risadas. Com a alteração da temperatura vem roupas novas para prepararmos para o frio. Minha esposa comprou algumas. Obviamente todos adoraram.

            Foi na manhã seguinte às provas bem divertidas, que minha esposa chega em casa depois de uma saída breve e encontra o Gui que acabara de acordar, todo produzido como se fosse a uma festa.

            - Gui! Esta roupa é nova. É para sair. – Advertiu a mãe.

            Ele retruca com toda naturalidade, estatelado no sofá sem tirar os olhos da televisão.

            - Mãe, a roupa nova acabou e chegar da rua. Ela quer ficar em casa. A velha que precisa sair.

            É, amigos! Estas são nossas crianças.

            Recordo-me de uma ocasião em que ele tinha pouca idade. Minha segunda filha se chama Ana, carinhosamente chamada por nós de Aninha. Ela, já na escolinha, fazia suas atividades propostas em uma escrivaninha que dividida com o irmão mais velho.

            Ocorreu que o Gui estava em prantos e não entendíamos a causa. Preocupados, perguntamos ansiosos e aguardamos a condição que ele necessitava para conseguir se expressar em meio a muitos soluços.

            - É que eu quero uma escrivagui.

            - Como? – Obviamente não havíamos entendido nada.

            - A Aninha tem uma escriva”Aninha” e eu quero uma escriva”Guiiiiiiiiiiii”. - Disparou.

            Não basta ser pai, temos que aprender a nos comunicar. Por isto escrevo.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O CAMINHO DAS PEDRAS -por Cronicando

            Acordo cedo hoje. Os doces sonhos da noite diamantinense me revigoram a alma e me deixam com uma esperança renovada. Não sei por que, mas sinto-me revigorado como este sol que clareia mesmo por detrás das nuvens. No horizonte das Minas Gerais daqui, emergem juntamente com o sol, as formações rochosas em meio ao cerrado. Todas apontando na mesma direção, como se estivessem me mostrando o caminho.

            - É para lá. Um pouco a sua direita. Para o alto. -     Ansiosas para que eu me decida.

            O sol ajuda amparado pela calma da ansiã sabedoria. Um gavião plana suavemente abaixo da varanda do hotel. Enquanto a brisa para mim é suave, ele próprio faz a velocidade do vento que bem lhe apraz.

            Volto-me a mesinha da varanda quando começa a chuviscar. Numa pilha de baralho a minha frente, viro a primeira carta. Um ás de copas. Não sou supersticioso, mas adoro jogos. São desafios deliciosos.

            “A”, a primeira letra. A primeira carta. Carta transporta mensagens. Copas, coração, emoção.

            Recordo-me agora do livro criado por Markus Zusak, “I am the Messenger”, onde o protagonista, sendo um “zero” a esquerda, como ele mesmo se caracteriza, torna-se determinado a fazer o que é preciso.

            Olho novamente a paisagem, novamente me levanto. Abaixo dos morros que insistem em me indicar um caminho, está a cidade palco de lindas histórias. Ilustres mineiros que escreveram páginas memoráveis no livro da vida. Chica da Silva, Juscelino Kubitschek, para não citar todos. Guerreiros que deixaram o exemplo de perseverança na busca do que acreditam.

            Será que eles ouviram estas montanhas? Será que trecho da minha história ainda falta escrever? Agora me dou conta de que todos somos escritores. Se não escrevemos em papel, escrevemos pelos exemplos de vida. Só não escreve quem não vive. Só não lê quem não tem olhos de ler. Arrisco-me a dizer que não saber ler a letra viva da existência é pior que não saber ler no sentido literal.

            Volto para o ás de copas. Uma letra, três corações. Na mesa, papel e lápis. Na cadeira a vontade de se fazer lido. Vou seguir as pedras. Para o alto, um pouco para lá.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O PONTO - por Cronicando

Não despreze o ponto. É o conjunto deles que forma a letra.

Não despreze a letra. A combinação entre elas é que compõe a palavra.

Não despreze a palavra. Elas se unem para formar a ideia.

Não despreze a ideia. Todas que se juntam em você, constroem a sua personalidade.

Não despreze o ponto. Você é composto deles.

Tudo começa no ponto e é ele que determina o fim.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

PALAVRAS ESDRÚXULAS DA LÍNGUA PORTUGUESA - por Cronicando

            A linguagem é algo espetacular. Como estudamos em algum dia na vida, a primeira e mais importante necessidade de todo ser humano é comunicar-se. Sem a comunicação, nenhuma outra necessidade seria saciada. Percebemos os esforços por parte de diversas comunidades em se entenderem. A distância etária, cultural, regional e até entre a capacidade motora e intelectual gera barreiras. O que provoca a vontade crucial de se fazer entender.

            A decodificação da intenção se faz de várias formas, mas vamos nos ater a algo específico na língua portuguesa, o que não significa que não ocorra nas outras.

            Voltemos a nossa atenção para algumas palavras esdrúxulas. Aliás, podemos começar por ela. Não poderiam escolher melhor agrupamento de letras para expressar o que é estranho. O som já nos causa esta sensação.

            Para quem precisa se fazer entender, a sonoridade é tudo. Por exemple a palavra defenestrar. O leitor sabe o que vem a ser defenestrar? Pois bem. Imaginem um jornal estampando a seguinte manchete: Mulher foi defenestrada no décimo andar do hotel em que estava hospedada. Logo pensaríamos: Coitada, vai carregar este trauma para o resto da vida. É preciso esclarecer que só se for em outra, porque do décimo andar não se sobrevive quando se é arremessado. Sim... Defenestrar significa jogar pela janela. Agora reflitamos. Para que esta palavra se a intenção é se fazer entender? Não seria mais garantido dizer que ela foi jogada pela janela?

            Tenho uma amiga que me chama de pândega. Já vou logo avisando a quem está por perto que se trata de coisa boa, para ninguém achar que sou um imbecil. Não por esta palavra.

            Uma vez me perguntaram o que me deixa iracundo. Respondi: Se tudo der certo, nunca ninguém vai chegar perto de mim pra isto. Descobri depois que já chegaram e certamente isto ocorreria muitas vezes ainda. Mas com um grande alívio em saber que iracundo é estar propenso a ira.

            Algumas palavras já são mais conhecidas, como pudico por exemplo. Mas cá entre nós, que palavra ridícula para expressar a característica de alguém que se esforça para não ser chulo. Chulo, não vou nem comentar. De igual modo temos a rubrica, que de tão feia, todo mundo insiste em dizer “rúbrica”. Sem falar em sorumbático, macambúzio, energúmeno, que fariam muitas pessoas arrepiarem e outras tantas agradecerem.

            Atossicar poderia nos levar a pensar em algum xarope caseiro bem doce ou a uma desintoxicação, mas significa dar maus conselhos. O leitor gosta de catadupa? Não é de comer. Trata-se de catarata. Barista não é quem trabalha em bar e sim especialista em café. Farripa não tem nada a ver com aproveitar uma festinha, significa cabelo ralo. Arrabalde é uma cercania e não um objeto de carregar água. Pagela é pequena parte. Alacar não significa o que o leitor está conjecturando. Significa alagar ou ceder à carga. Tá bom... Dá para fazer uma analogia. Não vou nem comentar.

            A próxima, eu vou falar o significado primeiro para que ninguém desista da crônica aqui, se ainda não fizeram. Gorjeta pode ser chamada de xixica. Agora, respondam. Pra que isto? Se alguém te chamar de coquete agradeça, mas não faça muito alarde.

            Ósculo é beijo; édulo, comestível; solipso, egoísta e diga-se de passagem o oposto a solícito. Temos também isagoge, acobilhar, estau, acontista, suble, mesto e por aí vai com inúmeras palavras da nossa língua portuguesa. Tem umas que não tenho nem coragem de colocar aqui. Nem o meu Word identificou as que coloquei, pois o meu texto está todo grifado de vermelho.

            Bom... Vou inerciar esta arasia, este acarear do erudito ao popular, pois careço de cercear o meu ofício. O tempo urge e até o momento não estou imberbe. Para ser mais claro. Vou parar com a conversa “fiada”, porque tenho de trabalhar. Estou atrasado e nem fiz a barba ainda.

            Algum herói chegou até aqui? Prove-me mandando um comentário.

            Até a próxima palavra!

terça-feira, 19 de abril de 2011

A BELEZA DA MULHER - por Cronicando

                 Hora do almoço, longe do que é mais importante para mim, meus amores. Como eu disse outro dia: longe do perto e perto do longe.

                Encontro-me em um restaurante comum em um bairro nobre de Belo Horizonte. Aqui na Savassi encontramos de tudo. De pedintes a contribuintes, de amores a dissabores, do sóbrio ao ébrio, do operário ao dono do seu salário, do belo ao recuperável, para ser delicado. Arrisco a dizer que as mulheres mais belas da cidade trocam os passos por aqui todos os dias.
                Observo o diálogo entre o providencial garção e um cliente que aparentava seus 20 anos, embutido em uma camisa social com manga dobrada até o meio do antebraço, calça social e sapatos pretos.
                - “Ocê” é paulista? – Perguntou com extrema simpatia o garção após observar seu sotaque.
                - Sim.
                - Mas paulista não gosta de mineiro, “uai”.
                - Quem disse? – Retrucou, completando. – “Nóis” gostamos das mineiras, mas dá para trocar uma ideia com os mineiros.
                - Ótima resposta. – Introduziu a bela com aparência de proprietária atrás do balcão.
                Sem pensar duas vezes, emenda o jovem servidor do recinto.
                - As brasileiras mais bonitas são as mineiras e as gaúchas.
                - Concordo. – Sentencia o paulista.
                Fim de papo e ponho-me a pensar. Postura natural de quem gosta de escrever. A mulher brasileira é de uma beleza rica. O país é de uma riqueza de beldades. Concordar com a beleza da rio-grandense é unânime. Também é fato que a mulher mineira tem uma magia entre o sorriso e o cabelo. Porém o rapaz, estando em um território que não fosse o seu, poderia estar tentando ser simpático. O que duvido muito.
                Abro um parêntese, que não implanta aqui uma digressão, para ressaltar a grandiosidade da mentalidade feminina. Inteligência como perfume da alma sensível. São lindas por dentro e por fora.
                Como a crônica é minha e bem mineira, peço licença para concluir com uma opinião bem particular. A beleza da mulher mineira é incomparável. Duvidas? Venham conferir.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

TEMPO-DEUS - por Mariana Collares

 
Tempo-deus de todas as coisas, aos teus pés me ajoelho...



Só o tempo é certeiro, amor, só ele. Só o tempo entrega a cada um a colheita. Só o tempo evoca o passado todo num sopro, antes da hora certa, antes da hora perfeita em que te encontras com ele, lá no fim de ti mesmo. No fim da tua estada. Então pensa, amor, que o tempo é teu pai e tua mãe e tu mesmo indo e vindo. Andando de gangorra, nesse sobe e desce infinito pelo cotidiano e a eternidade toda. O tempo é teu fruto. O tempo é teu luto. O tempo te renova, amor, para o novo. O tempo são as horas de um relógio imenso. E imensamente passam num fluxo. Num sôfrego cansaço de passar constante. O tempo é a ilusão da morte. O tempo, amor, é a imaginação em contínuo descaso. O tempo não morre, está. Já foi. E tu? Foste também até o dia em que te vi, longínquo, num quase eco, murmurando um “eu te amo” totalmente enfraquecido e ausente.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

BULLYING - por Cronicando

            O país chocou-se com a notícia sangrenta e de extrema infelicidade que aconteceu no Realengo no Rio de Janeiro. Um infeliz, empunhando armas de fogo, entra em uma escola e entre diversos disparos abrevia vidas, sonhos, alegrias, experiências diversas de vários jovens de forma cruel e assustadora.

            A sociedade se volta com compreensiva revolta contra o protagonista da inaceitável ação. No decorrer da apresentação exaustiva por parte da imprensa durante os dias que sucederam o ocorrido, percebemos no perfil do assassino alguém rejeitado pelos colegas daquela mesma escola onde ele havia estudado em outra época. Em voga o “bullying”. Bullying é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva.

            Nada justifica a atitude do rapaz que sucumbiu morto no episódio. No entanto nos colocamos a pensar e buscar onde se aloja o crime na mente de um indivíduo e na sociedade. O crime reside onde se vetam o direito de cada um ao essencial para se levar uma vida digna.

            O assassino cometeu vários crimes inaceitáveis. Os colegas dele de outrora também os cometeram de igual monta. Está sendo relatado de boca em boca que ele chegou a ser jogado em lata de lixo e até mesmo a ter sua cabeça colocada em um vaso sanitário sob pressão de descarga. Vale lembrar aqui, que em se tratando de alguém doente, como foi o compreendido juntando as peças do quebra-cabeça entregue pela imprensa, as autoridades governamentais também se incriminam todos os dias negligenciando devida assistência.

            Não estamos aqui para julgar. Nossa intenção com estas linhas flutuantes é convidar o leitor para uma reflexão sincera e profunda. Por quem lutamos? Contra quem? Qual verdadeira objetivo nós sustentamos na nossa existência?

            Hoje, com louvável valor, vemos por todos os lados intentos em recuperar o planeta em que navegamos neste infinito universo. Mas onde está a solução? Isto nos faz lembrar algo que lemos uma vez e não recordamos onde foi. “Quando vamos parar de tentar deixar um planeta melhor para nossas crianças e vamos começar a deixar crianças melhores para nosso planeta?”

            Às vítimas e seus familiares, nossos pesares. Que encontrem forças para seguir vivendo e lutando pela felicidade. A todos que tem nas mãos a oportunidade e a responsabilidade de construir uma personalidade, nossa expectativa e rogativa de esforço no bem.

domingo, 10 de abril de 2011

DOCE ADOÇÃO - por Cronicando

          Hoje tenho 37 anos, sou engenheiro, trabalho em uma empresa conceituada, dedico um tempo a cuidar da minha espiritualidade e tenho uma família numerosa e modéstia a parte, admirável.

            Gostaria de chamar a atenção do querido leitor para um tempo há uns quatro anos atrás. Minha esposa e eu tínhamos três filhos entre seis e nove anos. Uma linda menina entre dois garotos. Era um sonho nosso, desde o início do relacionamento, adotar uma criança. Sentíamos que faltava algo em nossa casa. Não formamos uma família abastada, mas também o que temos nos é suficiente. Mesmos assim faltava algo. Na verdade alguém.

            Tinha chegado a hora da tão esperada adoção. O leitor poderia querer entender os detalhes que nos levava a esta conclusão, porém não se tratava de nada calculado ou concreto a nos fazer entender aquilo. Era algo que tocava o sentimento, como as páginas de um conto bem escrito.

            Fizemos por fim o nosso cadastro na fila de adoção e fomos orientados e avaliados pela assistência social do município. Restava-nos aguardar como um período de gestação.

            Quando nos ligaram dizendo que podíamos visitar uma criança, foi indescritível a sensação. Passaríamos por um período de visitas e seriamos observados, o casal e a criança, para identificarem a simpatia que teríamos um com o outro e tudo com foco na segurança do pequenino.

            Ótimo! Fomos para o abrigo no dia agendado. Ao chegarmos recebemos novas orientações e uma informação comovente. O garotinho tinha uns três anos e meio. Não conheceu o pai e a mãe havia falecido naquele ano. Já estávamos no período da tarde quando da visita. A psicóloga nos disse emocionada que naquela manhã ele havia pedido para tomar banho logo que acordou.

            - Uai! Mas você não é disto... Banho a esta hora? O que aconteceu?

            - É que meu pai vem me buscar hoje.

            Desnecessário dizer que o vínculo que tínhamos com esta criança transcendia o tempo e o espaço. Já estávamos ligados pelo coração antes mesmo de existirmos.

Todos nós ganhamos vida nova. Adaptou-se rapidamente o caçula. Experto e arisco, hoje com sete anos, diz que tem dois pais e duas mães todo satisfeito.

Escutamos muitas pessoas dizerem que tem medo de adoção, não conhecem a procedência, a índole, etc. Convenhamos. Índole é algo que se constrói. O coraçãozinho de uma criança é como argila que espera mãos de carinho e amor para uma modelagem. Se ninguém se habilita, a vida se encarrega disto a sua maneira.

Da minha parte, fica aqui o convite a quem quiser ser feliz. Vale cada segundo conviver com uma criança e compartilhar carinho, confiança e aprendizado. Compartilhar vida.

quarta-feira, 30 de março de 2011

REUNIÃO DE FAMÍLIA - por Cronicando

            Penso que os tempos estão ruins não pelo que acontece, mas pela falta de expressar os acontecimentos. Portanto, mesmo após algum tempo sem vir ao papel, por fatores que não sei traduzir ainda para a língua portuguesa, eis-me novamente deslizando o grafite nesta folha reciclada da minha gaiola de prender ideias.

            Vou contar-lhes do último fim de semana, quando estive na casa dos meus pais para um almoço de comemoração de aniversário da minha querida genitora. Quase todos estavam lá. Uns chegam cedo, outros vão por pouco tempo, tem os que demoram mais e tem também muita criança. Tudo igual a toda família.

            Bom... Cheguei perto de um grupo que se reunia bem animado. O Fábio, o Samuel, o João Pedro irmão do Samuel, o Joãozinho e o irmão do Joãozinho, o Miguel. Levavam um papo animado nas mentes que juntas somavam no máximo vinte e um anos de experiência de vida. Cada um comentando algo acerca de sua especialidade. Demonstravam nos seus apontamentos conhecimento profundo dos diversos assuntos ali discorridos.

            O João Pedro arrolava fluentemente as características de todos os super heróis e ele conhecia cada um detalhadamente. Isto eu pude perceber dentre as palavras que compreendi. Algumas eu demorava mais para entender como a característica da namorada, segundo ele, do Homem Elástico.

            - Ela é “insivível”.

            “Insivível” não se trata apenas de troca de sílabas, porque ele repetiu a palavra pelo menos umas três vezes. E era “sivível”, ou melhor, visível meu esforço para compreender.

            Algum deles disse algo sobre “delista”. Não fosse o auxílio da mãe eu não saberia que se tratava da palavra delícia.

            O Joãozinho ao contemplar um LP do Dire Straits onde se via uma guitarra estampada na capa, logo disse, vendo a imagem do objeto de sua adoração:

            - Eu “quelo” o “dículo” da “guitala”.

            Dículo? Meu Deus... Amigo leitor, se eu não tivesse acompanhado com os olhos o disco apontado pelo seu pequeno dedo, não saberia até agora do que se tratava. E juro que se o dedo estivesse em riste um pouco voltado para o meu lado, eu iria pensar que eu era um ridículo na opinião dele. Fiquei mais tranquilo com a mensagem que meus olhos enviavam ao cérebro. Confesso que minha massa encefálica já estava bastante confusa a esta altura.

            Para refrescar o meu raciocínio comecei a conversar com a mãe dele. Ela me contou um episódio ocorrido há quase um ano atrás.

            Lá onde ele mora tem uma escola de samba chamada Icaraí ou algo assim. Após o período de intensa animação no carnaval (volto a lembra que foi no ano passado) vem o período de quaresma e por fim a semana santa. Em plena festa religiosa acontece algo inusitado. Enquanto passavam os fiéis em fila dupla, uma de cada lado da rua, em procissão, compenetrados nas suas introspecções e preces, olhos baixos. Passava pelo meio a passos lentos, uma banda entoando uma marcha fúnebre, convidando a atenção de todos para a fé e a reflexão.

            O Joãozinho no colo da mãe vendo tudo. Seus olhinhos brilhavam entre um ”bum” e outro. Após uma pausa demorada da banda, ele levanta os braçinhos e não pensa duas vezes antes de disparar a plenos pulmões:

            - Olha o “Icalaí” aí geeeeeeeeente!

            Imaginem só.

Voltando para o grupinho, o único que não dizia nada era o Miguel. Na verdade porque ele ainda não sabe falar, mas se aprender com os primos e o irmão, não sei não... Qual a especialidade dele? Babar. Nunca vi ninguém babar tanto. Eu até alertei a mãe que recebeu sorrindo o conselho.

- Marina, cuidado senão este menino vai desidratar.

É, meus amigos. Com o tempo crescemos e nos especializamos em quê?

sábado, 26 de março de 2011

EU QUERIA VALER A PENA - Por Cronicando

Finda o verão. Pelo menos oficialmente, pois o calor continua nos impressionando. Só pela manhazinha encontramos um pequeno alívio.

Temos renovada também a mostra de arte na galeria da COPASA. O artista André Hauck expõe “Arquitetura em declínio”, onde apresenta através de sua objetiva a impressão que cômodos abandonados em ruínas podem nos causar.

Ao observar, sentimos como se as imagens sussurrassem por falta de forças para bradar.

- Eu gostaria de ser um lugar pelo qual valesse a pena lutar.

Cada local tem sua história enraigada nos tijolos expostos, portas cravadas de balas, paredes queimadas, janelas e portas ocas por falta de vida ou esperança. Tetos desabados, vidros quebrados, cadeira solitária sem futuro, garrafas opacas, rastro de vida. Quando a luz é mais intensa serve apenas parar realçar a dor da saudade que as imagens sentem dos que por ali passaram. Podemos imaginar as lembranças de cada tela após ouvirmos novamente.

- Eu gostaria de ser um lugar pelo qual valesse a pena lutar.

Imaginamos as primeiras pessoas a levantar os locais. Os primeiros habitantes. A alegria das crianças. Uns se vão e sedem lugar a outros que chegam. Nova vida, nova experiência, esperança renovada. Até que as fotos voltam a atenção para o momento atual e percebem que tudo morreu ali. A única expressão de vida é vista no esforço de pouca vegetação sem valor em se fazer presente. 

Os que aqui viveram, se vivem, vivem em outro lugar. Nos braços de outras paredes. Se sentem saudades, não voltaram. Se mantem sonhos para um futuro que inclua este lugar, não tentaram realizá-los. Perguntamos... Por quê? Talvez tenham razão, são locais que não valem a pena. Pelo menos aqueles locais viraram arte e embelezam e dão vida às emoções.

E se André Hauck resolvesse fotografar pessoas por onde anda? Retratar os rostos, os olhares, as expressões que falam por si só. Talvez veríamos a criatura em declínio. Ou talvez não.

E se eu me olhar no espelho agora? O que veria? Ruínas? História morta? Será que eu veria aqueles que por aqui passaram? Os que me amaram? Os que amei? Os endereços que mudaram tantas vezes. Os telefones que já não existem mais. 

Só tenho no momento uma frase em mente.

- Eu gostaria de ser alguém por quem valesse a pena lutar. Custe o que custar.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O MENINO ENTRE OS CIFRÕES - por Cronicando

            Fim de janeiro e um calor insuportável. A Copasa reinaugurou recentemente sua galeria de arte no saguão de entrada da empresa. Para aliviar o calor do sol, nada como o calor humano. Sim... Humano. Expressado na arte.

A mostra traz imagens de afeto sob o ponto de vista de três artistas de estilos diferentes. São imagens que nos recebe calorosamente e estimula em nós a recíproca. Lá vemos tudo que vivemos no dia a dia, cordialidade, carinho, luta, tristeza, tudo naqueles olhares e expressões faciais.

O que mais me chamou a atenção foi um óleo sobre tela do busto de um garoto que aparenta ter seus dez anos. Cabelos loiros que escorrem pela cabeça bem torneada, oval. Lábios e nariz imponentes anunciando sucesso com o sexo oposto em breve. Sua pele clara se alia aos finos filamentos de queratina do couro cabeludo, em prol de destaque na tela, onde o fundo escuro tenta em vão, ao lado da camisa de malha preta, sobressair aos olhos do apreciador. Os seus lindos olhes verdes sutilmente direcionados para a direita do observador nega a inclinação do rosto de queixo fino para a esquerda, formando ambos um mesmo ângulo quando entrecortados pela linha de visão de quem observa.

O mais interessante. Sem sorriso. Os referidos olhos, contemplando o longe, expressam opressão. E quem olha coloca toda a responsabilidade ou culpa da vivência da personagem nos lúdicos óculos vermelhos, onde cada falsa objetiva do instrumento leva despreocupadamente a forma de um cifrão. Eles sim sobressaem na pintura.

Os óculos dão a impressão de aprisionamento com as duas barras verticais que cortam cada “S” e trancafiam o olhar do menino. A armação, prendendo a pelugem capilar, reforça sutilmente a impressão causada, como se sustentasse um sorriso irônico.

Vemos e vivemos em uma sociedade na atualidade, oprimida cada vez mais cedo, pelo sistema que insiste em valorizar cada vez mais o papel “ouro de tolo”, sobrepujando a liberdade de expressão da vida que deve ser vivida. A censura sempre existiu e agora ela está ainda pior, porque somos nós mesmos que nos aprisionamos.

Possivelmente Nilcéa Moraleida não tentava retratar desta forma quando pintava uma criança de sua convivência, mas arte é assim mesmo. Tentamos tornar tangíveis os sentimentos como sentimos e quem observa vê com a mescla de sua experiência de vida.

A ela e as companheiras de exposição, Camila Otto e Rachel Leão, meu aplauso. Ao leitor minha recomendação. A mim mais uma oportunidade de deleite e aprendizado.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

LÓGICA ILÓGICA - por Cronicando

            Outro dia pela manhã, em um fim de semana qualquer, eu estava visitando meus pais. Como sempre um delicioso café da manhã rodeado das lamentações, onde só variavam as personagens. Tudo com muita expressão entre o dramático e o cômico. Minha família toda é por demais, teatral. Gosto disto, mas pode ser complicado também.

            De repente, sobre a mesa da cozinha, uma brochura contendo desafios de lógica. Eu adoro este tipo de coisa. Sou engenheiro e como tal desfilo pelas exatas em contramão a minha parca veia literária. Adoro números, adoro escrever. Dizem que todo engenheiro escreve em tópicos. Eu, antagônico por natureza, vivo em tópicos. Entre o real e o imaginário. Escrever, escrevo mesmo em alma. Na minha.

            Voltando para os escritos a minha frente, eu me encontrava totalmente à vontade. Rapidamente ia solucionando todo tipo de suposta controvérsia matemática. Até encontrar um desafio que a princípio me pareceu pândego. No entanto, se revelou demasiadamente complexo. Tentava todo tipo de sequência lógica em vão.

            Gostei da dificuldade proporcionada. O único problema foi desviar a atenção da família em um momento que eu era a visita. Já que com pais não precisamos de cerimônia e eu não arredaria o pé, ou melhor, a atenção enquanto não resolvesse a sequência, fiquei por ali. Tentando.

            Como em toda boa família mineira, a reunião se dava na cozinha. Aqui é assim, independente do tamanho dela, ninguém quer estar em outro lugar da casa. E minha mãe adora ver as pessoas se empanturrando das delícias gastronômicas que brotam da sua arte.

            Por ali, digo ali me referindo à questão na qual eu me afundava cada vez mais, passaram meu pai com toda sua tranqüilidade, tia, alguns filhos (tenho quatro). Nada. Ninguém conseguia. Era uma sequência de letras que não fazia sentido algum e eu tinha, por uma questão de honra, que completá-la. Perdi noção do tempo em que me envolvi no problema. Perdi a atenção das pessoas e até a fome.

            Repentinamente, meu filho mais velho, já com treze anos, pergunta:

            - Pai, o que você “tá” fazendo?

            - Tentando desvendar este mistério. Uma lógica ilógica.

            - Deixe-me ver.

            Ele esticou o pescoço se aproximando de mim e começou a ler.

            Enquanto ele se inteira do assunto gostaria de descrever brevemente meu primogênito. Nasceu inquieto e resmungão, foi uma criança extremamente comunicativa, falava pelos pequenos cotovelos, apesar da timidez. Hoje fala pouco (acho que gastou todos os verbos nos tempos pueris), só quando quer e com quem quer. Adolesce meu rapaz.

            Voltando. Ele se manifestou antes mesmos que eu me refizesse para mais uma tentativa.

            - Ah! Já sei. É fácil, pai.

            - Como assim já sabe? – Espantei-me.

            - É muito fácil.

            - Nem vem. Você já sabia a resposta.

            - Nada disto.

            Então, rendendo a sua sagacidade peço que me revele por fim o enigma que me atormentava. Depois do breve desfecho constatei que realmente era simples.

Eu fico impressionado com esta juventude de hoje. As crianças já nascem de olhos abertos. São muito comunicativas e inteligentes. Conseguem fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. Eu sou da época de uma amiga minha que diz, “se eu mascar chicletes e andar ao mesmo tempo, caio”.

Por hora, o que caiu foi meu queixo.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

SINESTESIA CULTURAL DE DOMINGO - por Cronicando

            Hoje tinha tudo para ser mais um domingo como outro qualquer, não fosse pelo fato de eu ter levantado os olhos da última página de um fantástico livro. Carlos Ruiz Zafón monta uma trama com um primor impar, onde consegue com maestria e sutileza mesclar estilos diversos.

            Há alguns dias eu começara a lê-lo e infelizmente o tic-tac do tempo nos rouba as opções como nos mais belos romances. Eu não tinha escolha. Os compromissos sem conta desviavam a minha atenção da melodia harmoniosa incapaz de impressionar o sentido auditivo, porém inegável pelos demais.

            Encontro-me em uma antiquíssima casa onde fora uma fazenda dos ancestrais da minha esposa. Hoje habitada por sua tia-avó de oitenta e cinco anos. Paredes antigas já descascadas como esperanças desfeitas, chão de madeira escuro que range os seus sentimentos mais profundos ao ser pisados pelos que passam alheios, forro de palha, móveis rústicos, cheiro de passado. O soalho reverbera sons de saudade ou de algo a ser esquecido.

            De uma janela com um azul remoto, nesta tarde de mesma cor, ouço sons que despertam a consciência para a atualidade. Crianças conversando e rindo em uma vibração jovial. Observo além da janela jabuticabeiras que evaporam natureza. As árvores são capazes de repetir cada segundo dos tempos já esvaídos pelos ventos aqui ocorridos. A brisa mais uma vez traz um aroma de terra úmida.

            Como é mágica a leitura. Há dois minutos eu passava pelas ruas de uma Barcelona por volta de 1950. Agora, mais mineiro que nunca, saio da janela e sento-me no fogão a lenha para saborear o café forte que cheirava toda a casa, entremeados por queijo fresco e uma prosa saudosa e divertida.

            No último gole a sorver, fico com o olhar evasivo e contemplo as duas coisas que mais me chamaram a atenção no fim do livro. Uma, que são as pessoas de bom coração que fazem a vida valer a pena, e a outra, que uma boa leitura nos remete a bons momentos como este que agora desfruto ao lado da minha família.

            Olhando a minha volta, com meio sorriso, só eu percebo o gracejo que a vida me proporciona. Estar simultaneamente em tempos antigos em pleno século XXI permeado por características do primeiro e do terceiro mundo. A viagem ao passado e ao futuro só é impossível para a ciência que não aceita a fantasia. Nas letras dispostas neste papel junto com a sensibilidade do momento, servimo-nos do holismo com naturalidade de poeta sem pretensão de sê-lo ou ofendê-lo.

            Nada indigno de qualquer razão. Nenhuma reflexão alheia a sensibilidade. Somente a mistura de tudo junto em harmonia. A sinestesia em um segundo.

            O leitor aceita mais uma xícara de café antes do próximo “causo”?

sábado, 22 de janeiro de 2011

A FELICIDADE DE GÖETHE - por Cronicando

            Hoje me sentei em um restaurante charmoso, ambiente requintado e simples. A comida é ótima, proveniente da mente da chef criativa como ela só. Fui muito bem atendido e servido.

            O local já abrigou uma residência elegante e pequena. Traz marcas do que já foram paredes em um salão em “L” com mesas aconchegantes. Da janela a minha frente, avista-se a varanda simpática e logo depois os carros e pedestres que transitam alheios na rua.

            Enquanto aguardava o pedido, observei atrás de mim um quadro cobrindo toda a parede do fundo do restaurante. Nele estava escrito em giz a seguinte frase de Johann Wolfgang von Göethe: “Na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira”.

            Palavras fortes, a começar pelo nome do sagaz escritor alemão. A felicidade por si só já nos parece complexa e às vezes distante, plena então...

            O que vem a ser felicidade e o que vem a ser a sua antítese, a tristeza? Cada indivíduo pode depositar o conceito que bem entender, pois cada um tem seu próprio cabedal de experiências vividas que vez por outra, nem ele próprio sabe interpretar. A coleção destes momentos bons e ruins solidifica nossa personalidade à medida que constrói nossas horas. Pergunto: e na plenitude da tristeza, cada dia representa o que? Uma vez que este dia parece interminável.

            Arrisco a dizer, agora em meio às garfadas saborosas de um prato deslumbrantemente lindo, que a tristeza é filha dileta da solidão. Ela só está presente na ausência. Ausência de tudo, de amigos, de ocupação, de esperança, de busca, de ideias, de sonhos, tudo. Neste momento tenho a companhia de um sabor inigualável, um pensamento e a cordialidade de um papel e lápis que aceitam minhas agressões sentimentais sem reclamar. Tenho certeza que quando terminar tudo isto, caminharei pela rua em busca de outra companhia. Até encontrar, esta busca me acompanha para afugentar a tristeza.

            Não desejo aprofundar o pensamento neste momento, mas se tenho tanta companhia, o que sinto agora? Se não é tristeza, porque não estou feliz? Talvez esteja aí a explicação da palavra plenitude. Talvez ela seja a minha próxima e mais necessária busca, pois preciso disto para entender o que é uma vida inteira em um dia. Só espero que a plenitude que eu encontre seja a da felicidade.

            Agora pago a conta. É... Se falamos de plenitude em um dia, preciso organizar meus pensamentos para começar esta busca amanhã, porque enquanto levanto, carrego o estômago feliz e o bolso horrorizado. 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

IGREJA DE BÊBADOS - por Cronicando

Publicado no  http://letrasdobviw.blogsopt.com
Lá reduzido para atender ao espaço.


            Uma vez o cantor Cazuza disse que “o banheiro é a igreja de todos os bêbados”. Como agora eu não tenho nada pra fazer em lugar nenhum, resolvi investigar.

            Estou em um banheiro de uso coletivo. Fechei-me num box, sentei-me e pus-me a pensar enquanto aguardava alguém entrar, para ouvir seu vomitório de bêbado ou preces de pecador.

            Surpreendi-me com pouco tempo de espera. Os poucos que eu ouvia entrar só traziam silêncio reticente. Certamente a alma manifesta seu som inaudível aos ouvidos humanos. Dava para perceber pelo pisar oprimido e respiração cansada. A impressão que eu tenho é que eram despertados apenas pelo estrondo da descarga retumbando amém. Trazemos a alma marcada pelas dores experimentadas ao longo da existência. O que nos causa torpor é tudo aquilo que desvirtua o nosso caminhar reto e feliz.

Ainda necessitamos de um local ao qual santificamos o ambiente pela fé. Esperamos que em um futuro qualquer este local fosse o coração do homem, ou seja, esteja dentro dele e não do lado de fora. Hoje em dia a igreja é para onde vamos quando intentamos buscar limpeza espiritual, por para fora as impressões negativas que nos embriaga no caminhar. Segregar as mais diversas impurezas coletadas e armazenadas por não sabermos como tratá-las.

Foi então que entendi que somos todos uns entorpecidos pelas lutas íntimas. As agressões morais causam náuseas à ânima que reluta em expor-se. Com a falta de coragem, recorremos ao abrigo sagrado de nós mesmos e depositamos os rejeitos nocivos a nossa felicidade. Como neste momento a máscara cai, procuramos o recinto em que não vão nos descobrir por dentro, nos descortinar. O banheiro. Entendo agora porque o banheiro é a igreja de todos os bêbados.

            Talvez o homem fosse mais feliz se montasse os santuários nos braços abertos dos amigos. Assim ele se manteria consciente. Ébrio de si.

            Levanto-me, ainda meio trôpego, estômago queimando, garganta arranhando o amargor do fel e saio. Sem ouvir descargas.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

TIRADAS INFANTIS - Por Cronicando

            Uma vez escrevi para os amigos leitores sobre uma façanha do meu terceiro filho. Algo que aconteceu há muito tempo. Confesso que ele é uma fonte inesgotável de material para escrever, mas isto é assunto ao qual voltaremos em outra oportunidade. Como tenho quatro lindos filhos, hoje queria registrar um fato ocorrido, também há uns bons nove anos aproximadamente, com a minha segunda filha.

            Ela sempre foi muito curiosa e comunicativa, aliás, bastante comunicativa. Continua assim atualmente, com o acréscimo de um grande número de palavras ao seu vocabulário. Sou capaz de apostar que ela verbaliza todas elas todos os dias. Por volta do seu terceiro ou quarto ano de vida era uma criança que se expressava com veemência. Parece que supria a carência de palavras ainda não conhecidas por pressão nas cordas vocais. Quando contrariada então... afff... Soltava o verbo com toda vontade e braveza. Hoje não é diferente. Continua ativa e, não poderia deixar de registrar, prestativa e carinhosa.

            Lembro-me que eu estava em uma instituição religiosa, presente em uma reunião para ensaio do coral no qual eu tocava violão. Não tinha com quem deixar minha pequenina falante, então a levei comigo. Eu carregava uma breguíssima, porém providencial pochete. Garanto aos caros leitores que não andava com o referido objeto em torno da cintura, o que não minimizava a baranguisse, confesso. Mas fazer o que? Foi tão útil na época. Carregava objetos que eu precisava utilizar no meu ofício, sem contar que havia acabado de passar na farmácia e adquirido alguns poucos e pequenos produtos que precisava em casa. Remédios para febre, para dores de cabeça e camisinha. O respeitado leitor pode até pensar que eu poderia privá-lo destes detalhes, porém garanto que é importante para o entendimento do desfecho da situação a qual fui exposto.

            Para podermos nos concentrar na tarefa edificante e prazerosa que a música religiosa nos proporciona, permiti que minha lindinha ficasse brincando com a pochete. Ela andava como se estivesse em um shopping com uma bolsa. Penso que sua mente criativa de criança a transportou realmente para as compras. Balbuciava palavras inaudíveis movimentando os lábios como se conversasse com alguém. O problema ocorreu no momento em que ela encontrou o que queria em uma loja qualquer, para a minha infelicidade. Sentou-se no chão do salão, abriu a bolsa para pagar as lúgubres compras efetuadas e eis que depara com um pacote desconhecido. Sim, caro leitor, o pacote de camisinhas.

            E foi naquele momento, quando o silêncio se instalou após execução de uma peça suave e penetrante na nossa alma, que minha pequena ergueu o referido objeto, cortando como navalha a minha introspecção e postura quando o vi. Com o braço em riste, entoou as palavras que eu não sabia quais seriam, mas temia de antemão.

            - Pai, eu quero bala.

            Pois é. Em meio às faces rubras e quentes, olhares e sorrisos amistosos, pus-me também a sorrir.

            Uma criança é assim, preenche a nossa vida das mais inusitadas formas. Todas muito bem vindas.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

REFLEXÕES SOBRE A SOLIDÃO - Por Cronicando

                Sozinho no ventre da mãe. Filho único. Tudo só.

                Já repararam a solidão do número “um”? Sempre o achei soberbo, olhando para cima, olhos cerrados, queixo erguido. Ainda põe-se de costas para o infinito positivo. Ignorando seus iguais, seus irmãos.

                Não... Ninguém quer uma vida assim. O ser humano vorazmente trava batalhas constantes contra a solidão. Casam-se à menor oportunidade e enchem a casa de herdeiros genéticos para lutarem cada um contra seu próprio vazio. Os que não suportam casar enveredam-se em volumosos relacionamentos românticos ou de amizades tão vazios quanto eles próprios, que antes de se mostrarem ao que vieram já encontram guarida nos corações temerosos do nada. A maioria de nós já viveu tudo isto. Casamos, descasamos, casamos novamente, povoamos o mundo de mentes solitárias e nos iludimos em meio a tantas outras. Mesmo em meio à multidão, a luta contra o vazio dentro de nós continua . Talvez esteja aí a resposta que todos que tememos a solidão, buscamos.

                Voltemos ao número “um”. Se ele descesse do pedestal do seu orgulho e olhasse a sua altura com os globos bem abertos, perceberia o infinito presente a sua volta, interagindo entre si. Se percebesse a sua anoréxica estrutura, entenderia que o vazio é interior.

                Amigo leitor, que agora tem a minha sincera companhia através destas letras, para não nos sentirmos sozinhos é preciso perceber a nós mesmos, nos aceitarmos, nos amarmos. Quem não existe não compartilha e quem não compartilha não existe.

                Obrigado pela companhia.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A MENTIRA DO ESPELHO - Por Kenny Rosa

Não sei mais o que fazer para convencer as mulheres com as quais convivo que elas não estão gordas. Pode parecer estranho, mas nenhuma mulher está satisfeita com suas formas ou aceita que o seu peso esteja ideal ou até mesmo adequado.

Dizem que uma mulher se apronta não para si ou para algum homem e sim para outra mulher. Para que seja observada e admirada. Se isto for verdade, pergunto qual será a real intenção? E gostaria de saber também como as mulheres acham que vão causar alguma boa impressão a alguém se não estão satisfeitas com elas mesmas?

Elas se referem ao espelho como um amigo inseparável ou um inimigo implacável. Vez por outra fico pensando se a parte de amizade só serva para conquistar fingidamente a simpatia daquele que reflete o nosso exterior?

Confiem em mim, um espelho não é nada amigo, portanto nada confiável. Ele mente.

Por que o espanto? Mente sim, e muito mal. Já repararam que ele mostra o nosso lado esquerdo no direito e vice-versa? Tem mentira mais deslavada que esta? Ele tenta enganar e ludibriar descaradamente. Observem como as nossas imagens em fotos são tão diferentes daquelas que vemos nos espelhos.

Vão por mim. A mulher por si só já é maravilhosa. Ao caminhar exala o perfume dos cuidados que tem e da sensibilidade que a compõe.

Convido vocês mulheres, para outro exercício. Desafiem seu espelho. Antes de encará-lo pela manhã, preparem o espírito abrindo a janela e de olhos cerrados sintam o cheiro da manhã, conscientes que ela está ali para vocês. Exclusivamente para acariciar sua beleza única. Alimentem-se de confiança. Só então vão seguras e firmes diante dele.

Já até imagino a sena. Ele sorrindo sarcástico, aguardando para mais uma piadinha sem graça pensando que virão a passos vacilantes. Um close no olhar seguro da mulher que caminha tranqüila pelo cenário. Ambiente embalado pela música suave que faz fundo para um assobio cortante de suspense melódico, antecipando ao telespectador a iminência de um duelo.

Vão convictas de que ele pode ver o que está por fora, mas jamais vai encontrá-las por dentro. Aproximem-se dele sem observar seus eflúvios inebriantes. Foquem somente no reflexo dos seus próprios olhos e façam uma viagem pelo interior deste ser espetacular, filho de Deus, único na natureza, você. Descubram a beleza de carregar no interior das veias e artérias o DNA Divino. Percebam que estas órbitas permitem ver a essência com seus temores e coragens, virtudes e defeitos, tristezas e alegrias e entendam porque são chamadas de janelas da alma. Mostrem ao espelho quem vocês realmente são. A mais fantástica das criaturas. A mulher.

Os espelhos precisam conhecer melhor as donas que tem. Só quando eles começarem a analisar com sinceridade o que elas trazem por dentro, poderão perceber a beleza exterior que também encanta a todos.

Mulheres, não tenham medo do que não existe.