sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O MENINO ENTRE OS CIFRÕES - por Cronicando

            Fim de janeiro e um calor insuportável. A Copasa reinaugurou recentemente sua galeria de arte no saguão de entrada da empresa. Para aliviar o calor do sol, nada como o calor humano. Sim... Humano. Expressado na arte.

A mostra traz imagens de afeto sob o ponto de vista de três artistas de estilos diferentes. São imagens que nos recebe calorosamente e estimula em nós a recíproca. Lá vemos tudo que vivemos no dia a dia, cordialidade, carinho, luta, tristeza, tudo naqueles olhares e expressões faciais.

O que mais me chamou a atenção foi um óleo sobre tela do busto de um garoto que aparenta ter seus dez anos. Cabelos loiros que escorrem pela cabeça bem torneada, oval. Lábios e nariz imponentes anunciando sucesso com o sexo oposto em breve. Sua pele clara se alia aos finos filamentos de queratina do couro cabeludo, em prol de destaque na tela, onde o fundo escuro tenta em vão, ao lado da camisa de malha preta, sobressair aos olhos do apreciador. Os seus lindos olhes verdes sutilmente direcionados para a direita do observador nega a inclinação do rosto de queixo fino para a esquerda, formando ambos um mesmo ângulo quando entrecortados pela linha de visão de quem observa.

O mais interessante. Sem sorriso. Os referidos olhos, contemplando o longe, expressam opressão. E quem olha coloca toda a responsabilidade ou culpa da vivência da personagem nos lúdicos óculos vermelhos, onde cada falsa objetiva do instrumento leva despreocupadamente a forma de um cifrão. Eles sim sobressaem na pintura.

Os óculos dão a impressão de aprisionamento com as duas barras verticais que cortam cada “S” e trancafiam o olhar do menino. A armação, prendendo a pelugem capilar, reforça sutilmente a impressão causada, como se sustentasse um sorriso irônico.

Vemos e vivemos em uma sociedade na atualidade, oprimida cada vez mais cedo, pelo sistema que insiste em valorizar cada vez mais o papel “ouro de tolo”, sobrepujando a liberdade de expressão da vida que deve ser vivida. A censura sempre existiu e agora ela está ainda pior, porque somos nós mesmos que nos aprisionamos.

Possivelmente Nilcéa Moraleida não tentava retratar desta forma quando pintava uma criança de sua convivência, mas arte é assim mesmo. Tentamos tornar tangíveis os sentimentos como sentimos e quem observa vê com a mescla de sua experiência de vida.

A ela e as companheiras de exposição, Camila Otto e Rachel Leão, meu aplauso. Ao leitor minha recomendação. A mim mais uma oportunidade de deleite e aprendizado.

7 comentários:

  1. Esta descrição iconológica é única, intransferível. Pode ser coincidente mas é individual. O impacto é a própria interpretação, independente das intenções diretas do artista. De qualquer forma a sensibilidade é muito sedutora pela sua descrição. Abração, Kenny. Paz e bem.

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  2. Olá Kenny !
    A arte é a forma de expressão mais pulgente do ser humano. E creio demais na sua subjetividade. Porém pelos seus olhos deu pra ter uma noção da grandeza da obra.

    abraços e bom fim de semana

    Carla.

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  3. Olá.
    Poucas vezes pude ter a exata compreensão de um objeto de arte descrito como tive agora aqui.
    Foste perfeito.

    Verbaliza-se muito bem por aqui.
    Beijos... Vou ficando.

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  4. Olá
    Agradeço e retribuo sua visita. A arte é sentida, percebida pelos olhos do observador e esta é a sua riqueza. Enfim a subjetividade do artista que a compõe e do observador se expressam.

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  5. Olá Kenny: descrição perfeita, tão exata, passando tanta nitidez nos detalhes que dá vontade de ver a obra.
    Mas o artista é assim: se não passar emoção, se não der o seu recado, se não retratar a realidade do seu tempo, suas obras servirão apenas como decorativas, nada mais. E acho que isso nunca foi a proposta dos artistas.

    Beijos
    Tais Luso

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  6. Olá, Kenny! Voltei para agradecer-lhe: OBRIGADO pelo seu carinho e solidairiedade indispensáveis. Meu irmão deve deixar esta semana o hospital em franca recuperação. O rim que ficou esta competente na função de dois. Agora é encarar uma quimioterapia para ver se o mal é extirpado de vez. Um abraço , ótima semana. Paz e bem.

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  7. olá!
    É simplesmente um deleite passear por aqui...
    Obrigada!
    Abraços,
    Déia

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