sábado, 4 de dezembro de 2010

O BEIJA-FLOR - por Kenny Rosa

            Nada como uma boa reforma. Remexer o passado, mudar mobílias de lugar, comprar quadros novos, trocar o guarda roupa, uma nova pintura nas paredes. Ah!... Novos ares em nosso ambiente. Cabe aqui uma feliz analogia com o estado íntimo de nós mesmos. Acordar bem cedo e pensar diferente, agir diferente, nova alimentação para o organismo e para o psiquismo. Revirar o fundo das gavetas da alma. É sempre bem vinda uma mudança.

            Desta vez foi o lado de fora da casa. Onde havia uma varanda enorme, que abrigou o quintal do sol e da chuva, existe agora espaço aberto para novo brilho. Nada de ser ingrato com o remanescente abrigo, mas a clareza da manhã está combinando mais com a nova varandinha na saída da cozinha.

             Virou o cantinho predileto da casa. Pela manhã o sol ilumina e enfeita lá fora. Uma luz pareada com a mesa do desjejum, que obviamente foi onde passou a ser degustado, em se tratando da minha linda família, devorado. O almoço e o lanche da tarde não poderiam ganhar melhor aconchego.

            E quando chove... Ah! Quando chove! Não há nada melhor que saborear o café forte de aroma encorpado feito naquele momento. Tudo mágico. Dali avistamos uma várzea onde pasta o gado do vizinho a beira de um córrego. Entre a várzea e o muro do quintal, um exuberante flamboyant. Imponente via de acesso dos amiguinhos miquinhos que vem às tardes desfrutar de sua fruta preferida. Comem pedaços de bananas em nossas mãos.

            O por do sol, meus amigos, é digno de compor um cartão postal. Principalmente no inverno quando o sol nos agracia depois da várzea, de frente para a varanda, onde em meio a lilases, nos dá um “até amanhã”.

            Hmmm... Falta algo! Apesar do cantar audível dos plumados amigos, não os vemos de perto. Só muito de passagem ao longe, em bandos como as maritacas ou um tucano sozinho.

            E onde o mais ativo dos pássaros? Onde o beija-flor? Aquele de penugem brilhante que nos dá a impressão de tão sedosa roupagem. Elegante no bater de asas, como o caminhar de uma bailarina. Bico? Não, boca. A transformar o perfume inconfundível da flor em néctar digno de deuses. Sua condição é impar, o único pássaro capaz de voar de ré e de permanecer imóvel no ar. Tem ótima visão. Além de conseguir identificar cores são dos poucos vertebrados capazes de detectá-las no espectro ultravioleta. Seriam ótimos para me aconselhar na próxima reforma da casa. Das 322 espécies de traquilídeos não vem nenhum na minha varanda nova.

            Falta-me o seu frenético bater de asas. Como atraí-lo? Arrumei um daqueles bebedouros que ficam pendurados com pétalas fictícias e coloridas, a chamar-lhes a atenção como grandes olhos. Dentro, uma solução açucarada para acarinhar seu paladar. Aguardei alguns dias e lá estava ele. Lindo! Único! Percebi que não havia somente 322 espécies, tinha também aquele amigo que veio até mim e era inigualável.

            Pena que fluía tão rápida a sua presença. Dava o ar da graça e volatilmente, assim como pairava, ia. Eu o aguardava todos os dias, mas o tempo é dele. Não há como tê-lo, não podemos prendê-lo. Por mais que o desejamos por perto.

            Ouvi falar uma vez que se o beija-flor para de bater suas asas, morre. Não duvido. Quem de nós, se parar de beijar uma flor, permanece com o coração entoando a beleza da vida? Se ao tê-lo, hei de perdê-lo, prefiro a sua amizade nos momentos que lhe aprouver vir me visitar.

            Agora estou sentado na varanda, sentindo a brisa quente do fim de ano. O lindo por do sol costumeiro regado ao bom e forte cafezinho mineiro, acompanhado de um bolo de fubá com queijo. Aguardo ansioso a vinda repentina do meu amigo amado a me beijar a flor do dia.

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