sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

IGREJA DE BÊBADOS - por Cronicando

Publicado no  http://letrasdobviw.blogsopt.com
Lá reduzido para atender ao espaço.


            Uma vez o cantor Cazuza disse que “o banheiro é a igreja de todos os bêbados”. Como agora eu não tenho nada pra fazer em lugar nenhum, resolvi investigar.

            Estou em um banheiro de uso coletivo. Fechei-me num box, sentei-me e pus-me a pensar enquanto aguardava alguém entrar, para ouvir seu vomitório de bêbado ou preces de pecador.

            Surpreendi-me com pouco tempo de espera. Os poucos que eu ouvia entrar só traziam silêncio reticente. Certamente a alma manifesta seu som inaudível aos ouvidos humanos. Dava para perceber pelo pisar oprimido e respiração cansada. A impressão que eu tenho é que eram despertados apenas pelo estrondo da descarga retumbando amém. Trazemos a alma marcada pelas dores experimentadas ao longo da existência. O que nos causa torpor é tudo aquilo que desvirtua o nosso caminhar reto e feliz.

Ainda necessitamos de um local ao qual santificamos o ambiente pela fé. Esperamos que em um futuro qualquer este local fosse o coração do homem, ou seja, esteja dentro dele e não do lado de fora. Hoje em dia a igreja é para onde vamos quando intentamos buscar limpeza espiritual, por para fora as impressões negativas que nos embriaga no caminhar. Segregar as mais diversas impurezas coletadas e armazenadas por não sabermos como tratá-las.

Foi então que entendi que somos todos uns entorpecidos pelas lutas íntimas. As agressões morais causam náuseas à ânima que reluta em expor-se. Com a falta de coragem, recorremos ao abrigo sagrado de nós mesmos e depositamos os rejeitos nocivos a nossa felicidade. Como neste momento a máscara cai, procuramos o recinto em que não vão nos descobrir por dentro, nos descortinar. O banheiro. Entendo agora porque o banheiro é a igreja de todos os bêbados.

            Talvez o homem fosse mais feliz se montasse os santuários nos braços abertos dos amigos. Assim ele se manteria consciente. Ébrio de si.

            Levanto-me, ainda meio trôpego, estômago queimando, garganta arranhando o amargor do fel e saio. Sem ouvir descargas.

Um comentário:

  1. Kenny, esta é para mim uma de sua melhores crônicas. Parabéns pela tão sutil e profunda abordagem. Abração. Paz e bem.

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